Relato do Papai



Quando criança sonhava em ter boas roupas, sapatos e outros objetos de consumo. Achava que nascer pobre era uma sina. Fui crescendo e com os estudos e uma boa convivência na igreja aprendi a ter uma visão do mundo e que nós somos responsáveis de construir nosso futuro e devemos colocar nossas vidas nas mãos de Deus.
Concluí os estudos, casei e veio meu primeiro filho, o Ulisses, muito bonito, dizem que parece comigo. Agora tinha a oportunidade de oferecer o melhor para ele. Ulisses quando bebê era uma criança quieta no berço quando alguém entrava no quarto ele não dava muita atenção, até aí tudo bem, pois eu também era uma criança muito quieta. Porém, quando começou a andar, não parava quieto, revirava a casa do avesso.

Muitas vezes, quando chamado pelo nome não olhava, e por volta dos dois anos veio o inesperado, o menino deixou de falar aquilo que já falava. Procuramos os profissionais das áreas de saúde e do comportamento e nos diziam: “Esse menino está traumatizado, algo aconteceu isso vai passar.” Depois de exames de tomografia magnética veio a suspeita de doença degenerativa e alguns médicos davam alguns anos de vida para a criança.

Durante um ano passei a angústia de pensar em ver meu filho definhar e morrer nos meus braços sem poder conseguir fazer nada, pois era esse o prognóstico. Sabendo que com Deus não estamos sós, decidi prosseguir e refazer os exames, até que foi descartada a doença degenerativa.

Então, aumentou a suspeita de autismo, mas em Manaus os profissionais pediam para esperar que a criança completasse seis anos para diagnosticar se era autismo ou não. Pesquisa feita na internet nos dizia que o quanto mais cedo se diagnosticar a criança e começar o tratamento com terapias adequadas, aumentam possibilidades de se tornarem adultos mais independentes.

Assim, nos mudamos para Fortaleza e lá ficamos pouco mais de um ano, onde Ulisses fez tratamento na Casa da Esperança, uma instituição renomada, conveniada ao SUS para o atendimento à crianças, jovens e adultos com Transtornos do Espectro Autista e outros Transtornos Globais do Desenvolvimento.


Nesse período, eu e minha esposa aprendemos muito, pois o contato com os profissionais e os próprios autistas, além dos projetos que lá desenvolvemos, nos deram grande bagagem para lidar com o Ulisses, bem como para trabalharmos na área da Educação Especial.


Retornamos para Manaus, o Ulisses já está com cinco anos, por isso, decidimos que nesta cidade igualmente devemos somar com outros pais que passam pela mesma situação e juntos formarmos uma corrente para buscarmos os direitos desses cidadãos, á saúde, á educação, á dignidade, á igualdade e respeito, pois também são filhos desse imenso País chamado Brasil.


Hoje, quando olho para meu filho digo: - Ulisses, tu és meu filho! Se Deus te colocou nos meus braços, foi porque para ti não tinha outro pai que pudesse te compreender e te amar na medida das tuas necessidades, pois quando tu me puxas pelas mãos para pedir algo, eu já sei o que tu queres.


Alguns dizem “as crianças com autismo vivem no mundo delas e não conseguimos entrar neste mundo”. Eu digo: - Eu consigo entender meu filho, sei quando está de birra, em crise, quando quer comer, quando quer carinho, quando precisa ter o seu momento para fazer as coisas que gosta (ele tem os seus interesses restritos: brincar com água, carrinhos, se balançar, etc.).


Quase tudo que atrai as outras crianças também atrai meu filho, desde uma propaganda infantil aos filmes de grande bilheteria. Então, posso sentir que Ulisses vive em nosso mundo.
Aprendi que ele precisa ter uma rotina (a rotina passa segurança) e devemos usá-la como trampolim para avançar e ensinar mais coisas da vida. Muitas vezes nós nos recusamos a entender que cada pessoa é diferente e merece respeito e compreensão no seu jeito de ser.


Como pai de criança autista consigo identificar pessoas que tem preconceitos, muitas vezes por falta de conhecimento e outras por intolerância ao diferente.
O convívio com essas crianças nos convida a todo o momento a rever nossos conceitos, a ter respeito pelo outro, a ter um outro olhar ao seu novo comportamento.

Joaquim Melo

Pai do Ulisses melo.

2 comentários:

  1. Parabéns papai, seu relato emociona a todos e nos dá coragem para lutarmos cada vez mais por nossos pequenos especiais.

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  2. Paz de cristo e Glória a Deus,quando o anjo enviado por Deus falou a José que ele seria pai do salvador,estava realmente escrito a importância do pai,na vida de um filho,é entender que nada nessa vida é por acaso e se nossos autistas estão entre nós é porque eles têm uma missão especial a cumprir junto ao seio da família a qual eles estão.Parabéns Joaquim pela determinação e amor pelo pequeno Ulisses.

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